Nos últimos dias, um vídeo do influenciador digital Felca viralizou ao expor uma realidade preocupante: crianças e adolescentes sendo explorados por seus próprios responsáveis para gerar renda por meio da internet. Embora esse tipo de conteúdo já circule há anos, somente agora, em 2025, o tema parece ter ganhado uma atenção maior.
Mas por que só agora?
Uma das hipóteses é o aumento de crianças se apresentando nas redes como se fossem adultos, dançando de forma sensual, usando roupas inapropriadas para a idade e posando de maneira sexualizada diante de milhares de espectadores. O que antes podia parecer “brincadeira” ou “inocente”, hoje escancara uma realidade perigosa: a infância está sendo negociada em troca de engajamento e dinheiro.
A lógica das redes sociais contribui para esse ciclo. Conteúdos que geram engajamento trazem retorno financeiro rápido, e tanto os pais quanto as próprias crianças podem se sentir seduzidos por essa promessa de fama e dinheiro fácil. O problema é que, no caminho, aquilo que deveria ser preservado, a inocência, a intimidade e a saúde emocional, acaba ficando em segundo plano.
É preciso refletir: como toda essa exposição afeta a vida dessas crianças e adolescentes? O que significa, para alguém ainda em formação, receber diariamente comentários, olhares e julgamentos de milhares de pessoas?
Na psicologia, sabemos que a infância e a adolescência são fases de extrema vulnerabilidade. A construção da identidade, a autoestima e até a percepção sobre o próprio corpo podem ser profundamente impactadas por feedbacks externos. Quando esse processo acontece de forma tão intensa e pública, como nas redes sociais, os riscos de ansiedade, depressão, distorção da autoimagem e dificuldade em estabelecer limites tornam-se ainda maiores.
Mais do que uma crítica às plataformas ou ao comportamento dos pais, este é um convite à reflexão: até que ponto estamos trocando o bem-estar emocional de nossas crianças pela ilusão de sucesso imediato?
Como é a infância na sociedade contemporânea?
A infância de hoje não se parece em nada com a de algumas décadas atrás. A chamada Geração Alpha praticamente já nasceu conectada. O que antes era considerado um uso excessivo de telas, agora é visto como algo normal. Não é incomum vermos crianças de somente quatro anos manuseando celulares com a mesma naturalidade de um adulto.
Essa convivência tão precoce com a tecnologia influencia não apenas o olhar das crianças sobre o mundo, mas também a forma como os adultos se relacionam com elas. Quando vemos crianças expostas nas redes sociais, muitas vezes elas estão só reproduzindo comportamentos que já circulam ali. E o mais preocupante: muitos responsáveis não percebem os riscos por trás dessa exposição, enxergando-a como algo inofensivo.
Mas precisamos nos perguntar: quem está do outro lado da tela? E, mais ainda: como a criança irá lidar com as reações, comentários e julgamentos que receber?
Infelizmente, o público interessado nesse tipo de conteúdo pode incluir pessoas mal-intencionadas, como pedófilos. É comum vermos que os comentários mais frequentes em publicações infantis vêm de homens deixando mensagens sugestivas. Além disso, há os chamados “haters”, que espalham críticas e ofensas, atingindo diretamente a autoestima e o bem-estar da criança.
Esse fenômeno tem nome: adultização infantil. Trata-se da inserção precoce de estéticas, comportamentos e até responsabilidades típicas da vida adulta em indivíduos que ainda estão em pleno desenvolvimento.
E as consequências não são pequenas. Proteger a infância, portanto, significa também proteger o espaço digital. Cabe aos pais e responsáveis acompanhar o que os filhos consomem, observar como participam das redes sociais e, principalmente, orientá-los sobre os riscos desse ambiente. Mais do que limitar ou proibir, é preciso criar um espaço de diálogo, em que a criança se sinta segura para compartilhar suas experiências online.
A infância deve ser tempo de brincar, aprender e se desenvolver com segurança. Nossa responsabilidade, enquanto adultos, é garantir que a tecnologia seja uma aliada, e não uma ameaça, nesse processo.
O que é adultização infantil e quais prejuízos pode trazer para a vida da criança?
A adultização infantil acontece quando crianças passam a adotar, ou são incentivadas a aderir, comportamentos, roupas, linguagem e atitudes típicas da vida adulta, muitas vezes antes de estarem emocional, física e psicologicamente preparadas para isso.
E ela pode acontecer de várias formas:
- Na aparência: quando meninas ou meninos são vestidos e maquiados de modo a se parecerem com adultos;
- Na linguagem e nos comportamentos: quando reproduzem falas, gírias, atitudes ou posturas que remetem ao universo adulto;
- Na sexualização precoce: quando a criança é exposta ou induzida a gestos, poses e conteúdos que insinuam sensualidade;
- Nas responsabilidades: quando são pressionadas a lidar com situações ou papéis que exigem maturidade além da idade, como cuidar de irmãos ou trabalhar.
No universo digital, todas essas formas acabam sendo potencializadas. Isso porque os algoritmos favorecem conteúdos chamativos e nada mais chamativo do que uma criança com trejeitos e comportamentos de adulto, não é mesmo?
Embora às vezes seja visto como algo “engraçado” ou “inofensivo”, a adultização infantil pode trazer consequências muito mais sérias do que muitos imaginam.
Entre os principais riscos está o contato com predadores online, que aumenta as chances de assédio e exploração sexual. Além disso, o cyberbullying é uma realidade preocupante: crianças acabam se tornando alvos fáceis de comentários maldosos, comparações cruéis e críticas constantes.
Outro ponto delicado é a exploração comercial. Muitos menores acabam transformados em influenciadores mirins, tendo sua imagem usada por responsáveis ou empresas em busca de lucro, sem que se respeitem os limites necessários para proteger sua saúde e bem-estar.
Essas situações podem gerar uma série de impactos psicológicos:
- Baixa autoestima: ao serem expostas a padrões de beleza e comportamentos adultos, muitas crianças começam a acreditar que sua aparência natural não é suficiente, desenvolvendo inseguranças.
- Ansiedade e estresse: se até adultos sofrem com a pressão por curtidas e comentários, é fácil imaginar o peso que isso representa para uma criança que ainda não tem maturidade emocional para lidar com essa cobrança.
- Confusão de identidade: quando a criança é incentivada a se comportar como adulto, pode perder a referência de quem realmente é, ficando sem saber como agir de acordo com sua própria fase da vida.
Esses fatores ainda podem se refletir em dificuldades escolares,isolamento social e, o mais grave, na perda da infância, uma etapa única e essencial para o desenvolvimento humano.
A adultização infantil no ambiente digital rouba a espontaneidade das crianças, fragiliza sua saúde mental e as expõe a riscos sociais e de segurança. Sem a mediação responsável dos adultos, a internet deixa de ser um espaço de aprendizado e diversão para se transformar em um ambiente de pressão e perigos.
Exposição massiva de crianças na internet vira pauta de projeto de lei
O vídeo que o influenciador Felca postou em seu canal traz abordagens muito sérias em relação à exposição de crianças na internet, que vão desde situações constrangedoras às quais menores são submetidos até indícios de venda de material íntimo, sendo que alguns desses casos podem caracterizar crime.
O que muitas vezes parece apenas “criança fazendo trends” vai muito além. A repercussão foi tão grande que o YouTube suspendeu alguns canais que publicavam esse tipo de material, e investigações policiais foram abertas para apurar responsabilidades.
Infelizmente, há relatos que ilustram bem a gravidade do problema. Em um deles, uma menina começou a postar vídeos de dança aos 11 anos.Três anos depois, já possuía conta em sites de conteúdo adulto.
Em outro caso, um influenciador adotava adolescentes e expunha esses jovens em vídeos dançando sensualmente, consumindo bebidas alcoólicas e até se beijando diante das câmeras.
Esse tipo de exposição não só fragiliza a saúde mental das crianças, como também as torna presas fáceis para pedófilos. E, por trás disso, existe outro fator: o dinheiro. Esses vídeos costumam gerar alto engajamento, o que significa retorno financeiro rápido para os responsáveis, uma tentação que, em muitos casos, os leva a ignorar os riscos.
Diante da mobilização social voltada para o assunto, surgiu no Rio de Janeiro o projeto Lei Felca, batizado em homenagem ao influenciador que expôs os casos. O objetivo é criar políticas públicas de combate à cyberpedofilia e à adultização de crianças e adolescentes no ambiente digital.
A proposta vai além da simples proibição de conteúdos. Ela prevê:
- Campanhas educativas em escolas da rede municipal, para orientar alunos sobre os riscos da internet.
- Produção de materiais informativos voltados à população, utilizando canais oficiais da Prefeitura e espaços públicos.
- Fortalecimento dos canais de denúncia, como o Disque 100, ampliando o acesso e a visibilidade desses recursos.
- Transformar as escolas em espaços de debate, onde o tema seja discutido de forma aberta e crítica.
Esteja sempre atento ao que seu filho consome na internet
A presença das crianças nas redes sociais traz consigo inúmeras influências, algumas positivas, outras bastante prejudiciais. Quando falamos em adultização precoce, é fundamental compreender que não se trata apenas de uma tendência passageira, mas de um fenômeno que pode impactar profundamente a autoestima, a forma de se relacionar e até o desenvolvimento emocional dos pequenos.
É justamente por isso que o papel dos pais e responsáveis é fundamental. Se você percebe mudanças no comportamento do seu filho ou filha relacionadas ao que eles consomem online, o primeiro passo é abrir espaço para o diálogo. Escutar, orientar e mostrar limites de forma acolhedora, sem críticas ou julgamentos, é essencial para que a criança compreenda o que está acontecendo e se sinta segura para compartilhar suas experiências.
No entanto, em alguns casos, o acompanhamento familiar pode não ser suficiente. Quando os comportamentos se intensificam, começam a gerar sofrimento emocional ou comprometem a convivência social e escolar, é hora de buscar apoio psicológico profissional.
Vale lembrar que esse cuidado não se restringe apenas às crianças. Muitos pais também carregam suas próprias ansiedades diante das redes sociais e podem se sentir inseguros sobre como educar e orientar nesse contexto. Nesse sentido, a psicoterapia pode ser um espaço de fortalecimento tanto para os filhos quanto para os adultos, oferecendo recursos emocionais mais sólidos para toda a família.
Afinal, orientar não é apenas proteger. É preparar nossas crianças para crescerem de forma consciente, equilibrada e emocionalmente saudável. E, para que isso seja possível, os adultos também precisam estar fortalecidos e bem amparados.
Como psicóloga, posso ajudar pais e filhos a compreenderem melhor as questões da adultização infantil na internet, oferecendo orientação e suporte para lidar com os desafios do mundo digital de forma mais saudável e segura.
Você pode agendar uma sessão ligando ou entrando em contato pelo Whatsapp, no número: (27) 99978-0990. Nossas consultas podem ser online ou presencialmente, como preferir.
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